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A pane que tirou do ar Facebook, Instagram e WhatsApp por mais de seis horas na segunda-feira deixou evidente a dependência de grande parte do comércio, sobretudo o de menor porte, dessas redes.
Ao todo, 60% das micro e pequenas empresas do país usam o WhatsApp como canal de comunicação com os clientes. Diante das perdas trazidas pela queda do sistema, especialistas dizem que o varejo precisa ter planos de contingência e diversificar os canais de venda.
Para o professor Luca Belli, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio, essa dependência põe em risco o funcionamento dos negócios e mostra “a vulnerabilidade de nossas economias”:
— São empresas que coletam tudo sobre nossos dados. Elas não são as únicas que existem, mas por que são as únicas utilizadas? Os serviços são muito bons, mas pode haver acidente, falha e disrupção. É pouco estratégico confiar cegamente.
Ele continua:
— Também são os únicos apps que não são cobrados no uso da internet móvel do cliente pelas operadoras de telefonia. São os únicos patrocinados, impactando principalmente pessoas de faixa de renda mais baixa.
A convergência para o digital fez com que o comércio também adotasse Facebook, Instagram e WhatsApp. O impacto é maior, porém, na base da pirâmide econômica.
Impulso da telefonia
O empresário carioca Nathan Ribeiro, de 24 anos e que tem um negócio de artigos de decoração, usa apenas as redes sociais como canais de vendas. Ele estima um prejuízo de R$ 1 mil com o apagão:
— As pessoas fazem os pedidos via Instagram ou Facebook, que redirecionam para o WhatsApp. As vendas pararam. Cheguei a mandar dois e-mails para o Facebook, porque anuncio lá, mas só recebi uma mensagem automática.
Dona de uma empresa de eventos, Ana Paula Costa, de 40 anos, perdeu dois possíveis negócios com a pane:
— Eu me senti refém dessas plataformas. As empresas usam o que é mais popular entre os seus clientes. É o que acontece comigo hoje. As pessoas hoje resistem em falar no telefone com ligação, e outras plataformas como Telegram não são tão populares.
Após a retomada dos serviços, o Facebook soltou uma nota pedindo desculpas, frisando que trabalha para oferecer segurança, mas sem menção a reparação a quem perdeu negócios.
Procurada pelo GLOBO, a companhia não respondeu aos questionamentos.
Já o Procon-SP notificou o Facebook a prestar esclarecimentos. A depender da resposta, além de poder ser multada, em mais de R$ 10 milhões, a empresa pode ter de ressarcir os danos materiais causados a seus usuários.
As operadoras de telefonia oferecem planos de dados pré e pós-pagos a pessoas físicas e jurídicas sem cobrança, na maioria dos casos, de acesso às plataformas e redes sociais, o que para especialistas colabora para aumentar a dependência dessas plataformas.
Belli sugere a extinção de apps patrocinados, como já é feito na Índia, ou a garantia de que todas as redes sociais tenham as mesmas vantagens competitivas no mercado.
Falta o ‘plano B’
O Sebrae reforça que mídias sociais próprias, como sites, blogs e lojas virtuais são fundamentais para que a empresa tenha presença digital. As redes sociais têm forte apelo pela quantidade de usuários que reúnem, havendo canais similares a WhatsApp e Instagram para manter o fôlego dos negócios se o serviço cair.
Juliana Abrusio, sócia de Tecnologia e Proteção de Dados do Machado Meyer Advogados, afirma que negócios que usam essas plataformas precisam de um plano de contingência:
— Uma eventual responsabilização pelos prejuízos precisa identificar as causas do problema. E os prejuízos teriam que ser comprovados. Tem que ter muita cautela. Em termos jurídicos, nenhum desses contratos (com as plataformas) requer exclusividade. Por isso, o incidente está trazendo a necessidade de estabelecer uma contingência e um “plano B”.
Ana Paula Tozzi, da AGR Consultores, diz que, por ora, é difícil encontrar “plano B” ou ferramentas alternativas.
— O Facebook resolveu várias dores do varejo e dos brasileiros (no digital). E, na maior parte dos casos, não cobra nada. Permitiu às lojas físicas venderem qualquer produto a qualquer momento. Criou-se uma dependência muito grande. Por ora, não vejo alternativa, pelo tamanho da rede.
Para Alexandre Machado, sócio-diretor da Gouvêa Consulting, varejistas, empresas e serviços buscaram a evolução digital, e não é possível dar um passo atrás. E ressalta que os pequenos não têm condições de montar site ou arcar com custos extras no digital. Ele acha difícil o Facebook ressarcir empreendedores:
— Quem criou um negócio digital ancorado nessas redes sociais perdeu. A proteção vem só para quem tem contrato pago. O importante é diversificar canais de venda e contato com o cliente. O varejista tem de ter mais de um canal. Isso reduz impacto.
A CEO da consultoria K.O.A Negócios, Mara Lacerda, concorda. Ela afirma que as empresas precisam pulverizar seus canais, não só para reduzir sua dependência tecnológica, mas para alcançar outros públicos.
‘Perdidinhas’
Apesar do susto provocado pela pane, o mundo dos negócios vai ser cada vez mais digital, garante a presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano:
— Ontem (segunda-feira), a gente ficou seis horas sem (as redes sociais), e as pessoas ficaram perdidinhas. Mas o digital é uma realidade. Não é um aplicativo, um software, um site, é uma forma de lidar. O digital é totalmente diferente de sofisticado, é um simples rápido — afirmou ela em evento on-line da Firjan.
As grandes companhias não sentiram o impacto, diz Pedro Serra, gerente de Research da Ativa Investimentos. Mas a pane acendeu um alerta:
— Nas grandes empresas, WhatsApp e redes sociais são um canal complementar. Elas têm outros — ressalta Serra. — Agora, imaginem se isso acontece na semana do Natal?