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Briga entre vizinhos pode até surgir como uma inesperada tempestade. Mas, geralmente, é aquela gota que cai dia após dia, até que um dia o balde transborda, assim como a paciência. Quando chega neste ponto, não há mais conversa. Cada um quer saber do seu lado, da sua razão e do seu ponto. Além do abismo que vai se instalando e do estresse, estes tantos “seus” e “meus” podem resultar em tragédia.
Ano passado, em Curitiba, na discussão por causa de um som alto, um morador atirou e matou o vizinho à queima-roupa. Infelizmente, brigas físicas e mortes banais em decorrência de discórdia entre vizinhos não são tão raras assim. Volta e meia uma tragédia destas estarrece a população. Quem se lembra do famoso caso, em 1978, em que um desembargador matou um advogado após meses de discussão por causa vaga de garagem em um prédio em Ipanema?
— Ontem mesmo estávamos com uma situação em um condomínio em que uma moradora afirmou que alguém colocou veneno no corredor para o cachorro dela. Fomos verificar a denúncia. Não vimos nada explícito, mas, de toda forma, limpamos a área e fizemos uma notificação para que todos tenham atenção — conta o diretor de negócios condominiais da Cipa, Claudio Affonso.
Segundo ele e outros profissionais que atuam no dia a dia dos condomínios, as principais razões de desentendimentos entre vizinhos são referentes a três problemas em especial: garagem, barulho e animais de estimação.
O advogado especialista em direito imobiliário Armando Miceli acrescenta que as infiltrações também causam muito transtorno.
— Esta é a pior, porque danifica constantemente a casa do outro aos poucos e aí a disposição para negociar vai se encurtando.
O nó da questão
Em casos extremos, como o de um som alto, o morador pode recorrer até à polícia. Mas o nó da questão é que nem sempre são barulhos exagerados ou situações urgentes.
Para que todos os residentes do condomínio consigam sobreviver bem aos conflitos, é importante ceder e ter bom senso.
— Cachorros latem, pessoas fazem reuniões com música e crianças brincam. Se você for ficar irritado com isso, melhor procurar um lugar bem longe e isolado. Agora, se o cachorro latir o dia e a noite toda e a música for extremamente alta madrugada adentro a ponto de atrapalhar o sono dos vizinhos, e as crianças brincarem numa área de manobra de carros, aí são situações bem diferentes — exemplifica o gerente geral de condomínios da Estasa, Marllon Furtado.
— Já tivemos casos nos condomínios em que os pais deixavam os filhos brincando no estacionamento e um deles foi arrastado e quebrou a perna ao ser atingido pelo carro de um morador. Este tipo de fenômeno é comum — acrescenta.
O outro agravante na briga entre vizinhos é que todo mundo pensa apenas no fato de estar na sua casa e o direito de fazer o que quer — como de arrastar móveis para limpeza, de fazer festas com som alto, de ter gato, cachorro e periquito —, mas ninguém se dá conta de que quem mora ao lado também tem os mesmos direitos.
Também especialista na área imobiliária, o advogado Hamilton Quirino lembra que o Código Civil garante ao morador “o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”. Contudo, reforça que isso vale para todos.
— Há problemas também recorrentes como a presença de animais que incomodam a vizinhança com latidos ou mau cheiro. E alguns com risco de ataque. Há a questão das garagens, que sempre constituem zona de conflito. E, finalmente, um problema que ocorre em todos os condomínios, de prédios novos a antigos: infiltrações. Nesse caso, a experiência prova que o conserto sai muito mais caro se a questão não for resolvida amigavelmente, devido ao pagamento de custas, perícias e honorários — contextualiza o advogado.
Você pode resolver o perrengue com o vizinho no braço ou na Justiça, mas há caminhos melhores. Segundo Furtado, o ideal é que o regulamento interno já contenha normas de convivência e comportamento, como o horário para fazer mudanças.
Ainda assim, sabe-se que os problemas continuam. Então, segundo eles, o melhor é pedir ajuda ao síndico ou à administradora para mediar o conflito e ajudar a chegar a um consenso.
Cabeça fria na briga
Em casos como o de Curitiba, em que estava acontecendo uma festa, ou em qualquer um no momento da raiva, todos são unânimes ao orientar que se evite resolver na hora. A combinação de ânimos alterados e, muitas vezes, embriaguez pode resultar em tragédias.
— Quando o clima está pesado, é difícil e até perigoso tentar apaziguar. A solução tem sido chamar a polícia, pelo fator da intimidação. Isso ocorre, por exemplo, em caso de festas que rompem a madrugada, com excesso de barulho, consumo de bebidas pelos corredores, escadas, elevadores e até na portaria — afirma Quirino.
Furtado acrescenta que o síndico pode ser acionado no dia seguinte: — O melhor é recorrer ao síndico, e este falar no dia seguinte, pois geralmente a abordagem no meio da festa não dá bons resultados.
Já em situações cotidianas, a reclamação pode ser anotada no livro do condomínio e até mesmo ser levada para a assembleia geral. Contudo, em boa parte dos casos uma notificação já resolve.
Segundo Quirino, após tentativas frustadas de negociação, o morador ou síndico pode colher provas, como fotografar e filmar, para embasar a reclamação. Para ele, os condomínios têm uma arma poderosa para inibir os excessos, que é a imposição de multas de alto valor.
— O processo de mediação de conflitos pode consistir em uma reunião ou em várias delas e pode levar até alguns meses. Quanto existe um fato passível de reparação, se faz prévia advertência. Mas se há um fato já consumado, é aplicada uma multa, que pode variar de cinco a dez cotas condominiais, o que tem sido um fator importante para coibir excessos — explica.
Responsabilidade de quem
Os especialistas divergem sobre os papéis do síndico e da administradora nas confusões entre moradores. Para Miceli e Furtado, a mediação deles é positiva, mas não obrigatória.
— O síndico não tem que resolver, mas pode botar no livro de ocorrência e dar uma advertência e multar depois — diz Furtado.
De acordo com o advogado Miceli, quando não diz respeito à área comum, os representantes do condomínio não têm a obrigação. Um morador pode falar com o outro por carta ou e-mail, por exemplo. O morador incomodado também pode entrar com uma ação direta, sem notificação, mas isso costuma não valer a pena, pois os custos são altos — explica Miceli.
Já para Sonia Chalfin, diretora da Precisão Administradora, é papel da administração mediar conflitos no condomínio caso eles interfiram na harmonia da convivência na comunidade. De acordo com ela, um sistema eficiente na resolução deste tipo de problema é o livro de ocorrências, que costuma ficar na portaria.
— É um canal de comunicação com o síndico e a administradora, ao qual todos têm acesso. Resolver de maneira amigável ainda é o melhor caminho. Depois, vêm advertência, multas e, em último caso, o âmbito jurídico.
Este registro, diz, dá subsídio para que o síndico ou a administradora tomem atitudes referentes às advertências, multas, e também a ações de manutenção e de cuidados com funcionários.
— Lembrando que, em casos extremos, como condôminos antissociais, barulhos e condutas irregulares, o síndico pode levar como provas as reclamações registradas para uma possível ação judicial. É fundamental reagir com imparcialidade e parcimônia, não criando uma situação vexatória para o morador, o que por muitas vezes acaba no âmbito judicial — reforça Sonia.