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Em março deste ano, a conta de luz do petshop J.C. Banho e Tosa, no Butantã (zona oeste de São Paulo), era de R$ 350. Agora, o valor subiu para R$ 841, sem grandes alterações no movimento, mas por causa da nova bandeira tarifária na energia.
“O valor que cobramos não mudou, ainda é R$ 30 pelo banho de cachorro de porte médio, porém, tivemos que mudar muita coisa para continuar. O preço da conta de luz não está de brincadeira”, diz a empresária Beatriz Santos, 23 anos.
No início deste mês, com a seca, passou a valer a “bandeira tarifária escassez hídrica”, que cobra R$ 14,20 a cada 100 kWh (quilowatts-hora) consumidos. Até então, a bandeira em vigor era a vermelha patamar 2, que custava R$ 9,492 a mais por 100 kWh consumidos.
No petshop, a solução encontrada para economizar energia foi diminuir ao máximo as luzes acesas e reduzir o uso de aparelhos com maior voltagem. “A gente usa um aspirador e um secador. Tentamos intercalar, usando primeiro o assoprador e, só depois, ligamos o secador para finalizar, porque ele é 220 V”, diz Beatriz, que passou a usar água morna em vez de quente.
A cozinheira Sonia Lisa Schwartz, 52, trabalhou por mais de 25 anos como designer quando decidiu que era hora de buscar novos desafios. Ela fez um curso técnico de cozinha, onde aprendeu técnicas de finanças e gestão de negócios, antes de começar a produzir geleias caseiras e, depois, pratos especiais que são vendidos no condomínio onde mora, no Campo Limpo (zona sul).
“Era outono, ainda estava frio e comecei com caldos e sopas. Investi em dois caldeirões e mais alguns utensílios.”
Com o crescimento dos pedidos, ela ampliou o negócio. “Comecei uma produção de tortas salgadas, panquecas, escondidinhos e lasanhas. Tudo ia bem, tanto que investi em um processador e um pequeno freezer.” No início de 2021, ela se separou e, ao voltar a morar sozinha, o consumo de energia elétrica diminuiu, mas ela notou que a conta não seguia a mesma linha.
“Com os recorrentes aumentos nas tarifas, tomei algumas atitudes para economizar ainda mais. Resolvi trocar algumas lâmpadas por de menor potência. Se preciso, só a luz da cozinha fica acesa. Cheguei a um patamar de consumo que não consigo mais baixar.”
Na primeira onda de alta da energia, Sonia passou a fazer tortas e decidiu comprar um forno elétrico para aumentar em 50% a produção. Mesmo usando pouco dias o novo forno, ela notou que podia ser um risco para os lucros. “Usei ele durante quatro dias no mês passado, por cerca de três horas, e minha conta aumentou 14% em kWh”, diz.
“Com mais um aumento na tarifa, fica inviável usar o forno, pelo menos por enquanto. Agora, estou correndo atrás de fazer uma adaptação nele e ver se consigo assar mais tortas na mesma fornada”, conta.
Aumentar o preço do produto para pagar a conta de luz é uma decisão que a cozinheira evita tomar para não perder clientes. “Reajustando os valores as vendas caem. Experimentei isso da última vez. Reajustei em média uns 5% e minhas vendas caíram mais de 10%. O que me vem à mente nesse momento é procurar receitas que consumam menos energia possível, sem forno, batedeira ou processador.”
O que me vem à mente nesse momento é procurar receitas que consumam menos energia possível, sem forno, batedeira ou processador.
Reestruturar o cardápio para se adequar à realidade da crise hídrica não é tarefa prazerosa para Sonia. “Estou estudando possibilidades, mas isso gera um desconforto tremendo, pois quando estou consolidando clientes que gostam daquele sabor, sou obrigada a mudar. Isso pode parecer bom, mas nem sempre é”, diz a cozinheira.
Em Parelheiros (zona sul), a confeiteira Laysla Alves Soares, 20 anos, faz bolos de pote e notou que a conta de luz era um dos gargalos do seu negócio em ascensão.
Com o retorno do investimento inicial, ela comprou um liquidificador. “Uso o forno normal, mas uso muito a bateria e o liquidificador. Para economizar, comecei a fazer bolos em grandes quantidades e congelar.”
Ela diz que a medida reduz em 30% o consumo de gás de cozinha e o uso de eletrodomésticos. “Com toda essa incerteza, se tiver que aumentar o preço, vou prejudicar a mim e aos meus clientes”, afirma ela.
Para o diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), José Silvestre, os relatos mostram o cenário do retorno da inflação. “A crise hídrica já era anunciada desde o começo do ano e o governo não tomou providências. Junto com os combustíveis e o gás, a tarifa de energia é um insumo importante dos setores produtivos. Esses aumentos seguidos, nos meses recentes, atingem mais a população de baixa renda e o consumo na sequência. Assim vai retardar ainda mais a retomada da atividade econômica”, disse Silvestre.