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A pedagoga Andressa Ferreira de Paula, de 26 anos, foi demitida em outubro por conta da pandemia. Grávida de sete meses, viu os gastos aumentarem e a renda despencar. Sem condições de honrar suas dívidas, ficou inadimplente.
Desde que atrasou a fatura do cartão, há cinco meses, chegou a receber até 80 ligações de cobrança em uma semana.
— Ligavam sem parar, das 8h às 21h. Explicava que não conseguiria pagar, pois estava desempregada e grávida, mas só pararam quando liguei para o Nubank ameaçando-os de processo — conta Andressa, que baixou um aplicativo para bloquear ligações. — Eu me senti impotente.
Em nota, o Nubank informou que os contatos “fazem parte do processo” e que “são encerrados assim que é estabelecido um acordo”.
Andressa faz parte dos 61,7 milhões de brasileiros que estavam com dívidas atrasadas em janeiro, segundo levantamento da Serasa Experian. E a tendência, dizem especialistas, é que esse número aumente devido ao recrudescimento da pandemia e à interrupção do pagamento do auxílio emergencial no primeiro trimestre.
Lei proíbe excessos
O salto de 39% de reclamações relativas a cobranças, de fevereiro para março, no portal de intermediação de conflitos do governo federal, o Consumidor.gov, pode ser um indicativo de que os especialistas estão certos.
Não se discute a legalidade da cobrança, mas a necessidade de haver um limite. Ligações em excesso, constrangimento moral e exposições são proibidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
— O credor não pode constranger, expor o inadimplente nas redes sociais, lançar mão de exaustão psicológica ou ameaçar com juros ou multa. Uma ligação por dia seria o razoável. Duas, três ou mais podem ser consideradas coação, ameaça e até constrangimento — diz Emerson Tauyl, advogado especialista em Direito do Consumidor.
A empresa também não pode lançar mão de telefone de familiar ou pessoa próxima, mesmo que conste no cadastro do devedor, para cobrar uma dívida, diz Tauyl.
A regra, no entanto, não impediu que Emanuelle Cavalcante, de 22 anos, recebesse cobranças relativas a débitos da sua mãe. Com o comércio da família em dificuldades, devido às medidas de restrição adotadas para conter a pandemia, as duas estão endividadas.
Diariamente, a estudante recebe cerca de dez ligações de cobrança apenas do LuizaCred, cartão de crédito do Magalu.
— Eu me sinto desconfortável. Sempre perguntam o motivo da falta de pagamento e eu explico, é exaustivo. E os funcionários dizem que as ligações vão continuar — queixa-se.
O Itaú Unibanco, que formou uma joint venture com o Magazine Luiza para o LuizaCred, diz que as práticas estão alinhadas com o CDC.
João Quinelato, professor de Direito Civil do Ibmec, destaca que há empresas que se valem até de robôs para realizar as chamadas, o que aumenta o assédio, com repetidas ligações automáticas.
Consumidores que sejam alvo de cobranças abusivas podem recorrer à Justiça e pedir indenização, diz Quintelato. Para tanto, especialistas recomendam coletar provas para denunciar a cobrança indevida, como gravar chamadas e guardar os registros de ligações no celular, para comprovar o assédio.
Os consumidores paulistas ganharam um aliado nessa briga. A lei 17.334/2021, que passou a valer em 10 de março, ampliou os direitos previstos pelo cadastro de bloqueio de telemarketing. Gerenciado pelo Procon-SP, o “Não me ligue” agora permite a inscrição de até cinco linhas telefônicas da mesma titularidade.
O serviço passou a dar direito a bloqueio de SMS ou mensagens de WhatsApp não autorizadas pelo consumidor, inclusive aquelas que tratam de cobranças. Empresas que desrespeitarem esse direito à privacidade podem ser multadas pelo Procon-SP.
— A tendência é que tenhamos cada vez mais leis estaduais que impeçam a violação da privacidade — acredita Quinelato.
Acesso a serviços
Para além do assédio na cobrança, a preocupação da economista Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), é garantia de acesso dos inadimplentes a serviços básicos, de água e luz.
Os cortes estão suspensos em alguns estados para consumidores com perfil de tarifa social. Ione defende a ampliação do benefício:
— Na pandemia, as condições mínimas de sobrevivência estão comprometidas, e o corte de luz ou água esgota a capacidade do consumidor de buscar alternativas para sobreviver em meio ao desemprego.
Enquanto a regra não muda, a orientação é negociar com as empresas, ela diz:
— Pode-se tentar uma pausa no pagamento ou reparcelamento, para evitar a negativação, que torna a vida do consumidor ainda mais difícil. No entanto, a recomendação é que quem pode deve pagar sua conta, não adiar dívidas.