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Crianças no prédio: É preciso tolerância ou falta empatia?

Fonte: O Globo
14/10/2019
Condomínios

A dentista Luciana Krull passou dias difíceis quando seus dois filhos, os gêmeos Lucas e Gabriel, de dois anos e meio, tiveram pneumonia e, um deles, otite, há dois meses, no Recreio. O desconforto e a dor levavam os dois a chorar muito a qualquer hora do dia e da noite. Sem ajuda de terceiros, já que a família mora longe, Luciana e o marido se desdobraram para cuidar dos gêmeos. Mas a cereja do bolo estava por vir: os vizinhos entraram em contato com o condomínio, que emitiu uma advertência para os pais via e-mail, dizendo que se o barulho não cessasse, penalidades seriam aplicadas.

— Eles choraram muito, sim. Sentiram dor e não estavam dormindo bem. Mas ninguém perguntou o que estava acontecendo ou ofereceu ajuda. Disseram que interfonaram, mas isso nunca aconteceu. Simplesmente mandaram uma notificação sem sequer conversar. Apenas uns dias depois de eu postar na internet é que a síndica entrou em contato. Ela pediu desculpas e explicou que estava cumprindo regras. Mas não cancelaram a notificação nem se retrataram publicamente — contou Luciana.

A gestora do condomínio, por sua vez, disse em nota publicada, também em rede social, que as reclamações começaram a chegar à síndica e eles esperaram alguns dias para ver se a situação mudaria. Destaca, ainda, que a advertência foi enviada apenas ao casal e critica o desabafo público, que, segundo eles, culminou em vários ataques e ofensas aos funcionários da empresa.

— Quando eu vi aquilo, achei um absurdo e postei no Facebook. Logo várias pessoas se solidarizaram. Inclusive outras mães compartilharam suas histórias comigo — lembra Luciana, que, para minimizar o barulho dos gêmeos, mudou o horário de banho dos garotos, que era antes das 6h, entre outras medidas.

Casos frequentes

O caso de Luciana ganhou destaque, principalmente, pela indiferença ao contexto familiar e à forma como foi conduzida. Mas não é isolado. Nem sempre o barulho feito pelos filhos gera notificação, mas são frequentes as reclamações.

Segundo o presidente da Estasa, Luiz Barreto, os problema de barulho dependem da idade. Até dois anos, os choros diurno e noturno são frequentes. Dos cinco aos oito, as brincadeiras em locais indevidos, como garagem, é que dão dor de cabeça. Lá pelos 10 anos vêm a bagunça após as 22 h e o acesso às áreas proibidas, como telhados, além do desrespeito aos funcionários.

Quem mora em um espaço comunitário está sempre tentando equilibrar a balança do direito de todos. Assim como quem quiser ficar totalmente sem barulhos deve morar isolado, muitos moradores extrapolam no incômodo aos outros. Nestes conflitos, seria falta de rédea dos pais ou de tolerância e empatia dos vizinhos? A resposta para todos os problemas para quem vive em condomínio é simples: bom senso.

O advogado Hamilton Quirino pondera que há reclamações legítimas em relação às crianças. Por exemplo, correria pelo prédio ou uma bola quicando à noite. O ideal, afirma, é uma conversa com os pais, procurando estabelecer limites e regras e, em caso de descumprimento, uma notificação com imposição da multa prevista nos regulamentos internos.

— Não considero legítima a reclamação neste caso dos gêmeos doentes. É impossível controlar o choro de crianças pequenas sentindo dores. É diferente a situação, por exemplo, de uma pessoa que tem algum distúrbio mental e que faz barulho todos os dias, ao longo dos meses. O caso das crianças foi pontual e houve, para mim, uma efetiva falta de tolerância — diz ele, que defende que, neste caso, caberia ao síndico fazer uma reunião com as partes.

Histórico em conta

Para Anna Carolina Chazam, gerente de Gestão Predial da administradora Estasa, a intervenção imediata em situações de risco ou que possam causar danos no patrimônio das áreas comuns são aconselháveis. Entretanto, ela também considera que o caso de Luciana foi falta de tolerância.

— É importante analisar o histórico do morador e se é um caso pontual. O mais indicado é que o síndico procure conversar diretamente com os pais e entender a situação de fato .

O diretor jurídico da Bap administradora de Bens, Fábio Oliveira reforça que o síndico nesses casos tem um papel essencial para entender e ajudar as duas partes a encontrarem uma solução pacífica.

— Acredito que o diálogo e o bom senso devam ser a primeira opção em casos tão sensíveis como este. Às vezes, temos, de um lado, crianças que choram porque estão doentes em casa e, do outro, pessoas que se sentem incomodadas com o barulho e precisam dormir para fazer suas atividades. Às vezes, um vizinho nem sabem o que se passa com o outro.

Ele conta o caso de um conhecido que se mudou para um novo apartamento há cerca de um mês e tem um vizinho com necessidades especiais. Não é criança, mas o barulho é constante. Por entender a situação dos vizinhos e, ao mesmo tempo, não querer conviver com o incômodo, a pessoa optou por um revestimento acústico no quarto.

Para ajudar na resolução destes conflitos, Oliveira destaca que é importante que as questões que envolvem advertências, notificações e multas estejam previamente estabelecidas na convenção e no regimento interno do condomínio. A sabedoria, enfatiza, ainda deve prevalecer.

— É importante que os condôminos saibam as regras que estipulam horários e locais em que as crianças podem brincar sem atrapalhar os demais. A questão é que, se houver excessos ou descumprimento das regras, a administração do condomínio pode advertir, notificar ou multar o responsável. Em todos os casos, o síndico vai avaliar o que está acontecendo e pode notificar e multar o morador causador do incômodo.

Regras definidas e responsabilidade dos pais

As questões envolvendo crianças nos envolvem muiitas “atividades”. Segundo Anna Carolina Chazam, gerente de Gestão Predial da Estasa, os problemas mais comuns são a circulação delas sozinhas nas áreas comuns e as brincadeiras em local proibido e/ou depois das 22h. Em todas as situações, o barulho é o principal problem a.

— É muito comum crianças brincarem de bola ou pularem dentro do apartamento, o que pode perturbar o vizinho de baixo.

Segundo Anna Carolina, a responsabilidade pela criança é dos pais ou responsáveis legais. Entretanto, é aconselhável que o condomínio crie regras e limites para minimizar os conflitos.

Em regras gerais, ela explica que menores de 12 anos não devem ficar na piscina sozinhos, e abaixo de 10 anos não podem andar de elevador sozinhos. Nas academias dentro dos condomínios, só quem tem mais de 16 anos pode se exercitar desacompanhado.

Barreto ressalta que, além de definidas, as regras devem ser amplamente divulgadas para evitar acidentes.

— Hoje, tenho visto muito risco nos telhados dos condomínios, onde o acesso deve ficar aberto por lei.

O diretor jurídico da Bap Administradora de Bens, Fábio Oliveira, esclarece que a responsabilidade do condomínio acontece apenas no caso das piscinas, pois é obrigatório manter um guardião para eventuais emergências.

— É diferente quando um restaurante tem uma área infantil, em que a relação é de consumo. O condomínio é a extensão da casa das pessoas, sendo as áreas comuns de propriedade de todos, e cabe aos pais se responsabilizarem por seus filhos.

Oliveira conta que há casos, como no prédio onde mora, em que o condomínio mudou o regimento por conta de crianças.

— Um pai deixava o filho de seis anos sozinho na piscina, mas o pé da criança não chegava ao fundo. Era um perigo. Ainda não havia regras para crianças desacompanhadas na piscina. Depois desse episódio, o regimento interno foi alteado e a situação mudou, pois a idade mínima para crianças desacompanhadas foi fixada em 10 anos.

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