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Num momento de polarização política no país, pequenos empresários levam suas pautas a seus negócios. A atitude pode ampliar os lucros, mas os empreendedores deixam claro que, por mais que isso seja ótimo, o principal é defender suas bandeiras.
Gabriel Castro, 35, fundou no ano passado a padaria O Pão que o Viado Amassou, em Curitiba —primeiro apenas com vendas online e, desde o mês passado, com ponto fixo.
A empresa, que participou da série Negócios Plurais, parceria da Folha com o Instagram sobre diversidade e empreendedorismo, defende de maneira firme as bandeiras do público LGBTQIA+. Nas redes sociais, suas postagens conversam com esse grupo. Na fachada, há um arco-íris.
"Não estamos aí para pregar para convertidos. A ideia é que, com o subterfúgio do pão e de outros produtos, essa conversa [de inclusão] entre em lugares que antes não entrava", diz Gabriel. Ele afirma que a maioria de seu público não é LGBTQIA+.
"Há senhoras e casais idosos. Eles vêm com o objetivo de consumir os produtos, e aí veem alguém trans no atendimento [quase todos os funcionários são de grupos minorizados] e isso gera uma conversa. É positivo", diz.
Sobre a parte da população que nem sequer dá uma chance à padaria por preconceito, Gabriel afirma que não deseja atraí-la. "Se a pessoa não quer comer algo produzido por alguém LGBTQIA+, só posso ter pena", diz. Segundo ele, ainda não houve ataques de ódio relevantes nas redes sociais.
As postagens no Instagram que divulgam produtos como "comboiolas" e "focaccia Eller" impulsionaram a empresa, e Gabriel diz ter clientes que visitam sua padaria por causa deles.
Ele, que também é ator, investiu cerca de R$ 250 mil no negócio e emprega 15 pessoas, com planos de aumentar esse número para 20.
Gabriel diz que, na padaria, o faturamento diário equivale ao de duas semanas daquele dos tempos de vendas online.
Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo do Insper, compara os negócios com uma bandeira às empresas de nicho. "Você pode focar um público, mas, se o produto for bom mesmo, acabar atraindo também pessoas que não fazem parte dele", diz, ressaltando que a internet é muito importante para chegar a esse consumidor.
Lela Gomes, 35, dona do Boleia Bar, estabelecimento voltado especialmente para mulheres lésbicas, no Rio, sabe bem da força das redes sociais. Segundo ela, cerca de 60% de sua clientela aos fins de semana não é carioca.
Por ora o bar só funciona mediante reserva, por causa da pandemia, e Lela conta que a fila de espera é grande.
"Se eu fosse um bar ‘normal’, acho que não atrairia metade do público que atraio. A ideia foi construir um lugar de acolhimento, de segurança. Óbvio que a gente recebe homens héteros e gays, mas o bar é pensado para mulheres. Era muito difícil achar um estabelecimento assim", afirma.
O Boleia foi aberto em 2020, antes das restrições impostas por causa da pandemia começarem. Hoje emprega 20 mulheres e há planos de expansão. O faturamento é de R$ 180 mil a R$ 200 mil por mês.
Para Raíssa Kill, consultora do Sebrae-SP, o risco de perder um público que não se identifica com as pautas defendidas pelo negócio pode ser superado se o empresário conseguir fidelizar a clientela simpática a elas.
"Essas pessoas vão falar sobre a empresa e gastar mais quando forem consumir ali", afirma a consultora.
Giovanna Lima, 33, dona do Bek’s Bar, em Curitiba, aliou investimento, via três empréstimos, à defesa de pautas que lhe são caras para reverter uma situação difícil do estabelecimento.
O Bek’s tem 40 anos e era do pai da empresária. Quando ele morreu, Giovanna assumiu o comando. Segundo ela, que é lésbica, o bar não ia bem e o público era desrespeitoso. "Muitos achavam que entendiam mais do negócio que eu", diz.
Ao se posicionar contra o governo federal e defender minorias nas redes sociais, a empreendedora acabou mudando o perfil de seus clientes. Ela diz que os antigos não fazem falta alguma e que prefere nem servi-los.
"O resultado é muito positivo. Eles não eram grandes consumidores. Agora há mais rotatividade e até fila de espera", diz. Segundo ela, há clientes de outros estados preparando caravanas para conhecer o Bek’s.
Em junho, o bar postou em seu Instagram que fregueses apoiadores de Jair Bolsonaro não fariam falta, e que perdê-los seria um "livramento".
Apesar dos ataques nas redes, Giovanna diz que o posicionamento fez bem ao negócio, com crescimento de seguidores e de vendas. "Em muitos dias, nosso delivery era zerado. No dia seguinte à postagem, tivemos 60 pedidos."
O Bek’s tem oito funcionários. Giovanna não divulga faturamento, mas diz que houve aumento substancial.