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A epidemia do coronavírus será um divisor de águas para o surgimento de uma nova mentalidade em relação à falência. A epidemia não é culpa de ninguém. Alguns empresários irão à falência em decorrência das medidas de distanciamento social. Será preciso tratar essa situação com um remédio não tão amargo como o do afastamento do mercado por cinco anos.
O entendimento é do juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. Nos autos de um pedido de recuperação judicial de uma empresa de engenharia, o magistrado fez considerações sobre o momento atual de epidemia e os processos de resolução de crises empresariais, em meio a tentativas de modificação legislativa.
Para o juiz, a epidemia, embora trágica, é propícia para a criação de uma nova mentalidade quanto ao tema do acesso à Justiça. "A magistratura tem alta produtividade, mas nossa despesa com o serviço judiciário é alta, se comparada com a de outros países. Há algo de errado no acesso à Justiça de forma descontrolada", disse.
Filho destacou que a jurisprudência dos tribunais superiores passou a ser mais rigorosa na análise do interesse de agir, concluindo que o direito de acesso à Justiça deve ser responsável. Essa releitura, segundo o juiz, foi acompanhada de modificações legislativas recentes (CPC e Lei 13.140/2015) que enfatizaram a necessidade de uma solução adequada aos conflitos, não só pelo Poder Judiciário, mas também com o apoio da mediação e da conciliação.
Nos casos de recuperação judicial, Filho disse que o devedor precisa demonstrar ter iniciado tratativas extrajudiciais com os credores, "atribuir-lhe o ônus de demonstrar, com documentos que acompanham a petição inicial, que necessita da proteção judicial para concluir o processo negociado de solução da crise, já iniciado extrajudicialmente".
Ele também defendeu um "esforço qualificado na negociação" em busca da recuperação extrajudicial, "meio menos oneroso e mais rápido para a solução da crise". Apenas em caso de "insuperável necessidade, devidamente justificada, quando incapaz de obter uma adesão da grande maioria dos credores, mesmo tendo se empenhado na negociação", o juiz considera que o devedor pode se valer da recuperação judicial.
"O que não se pode mais admitir é que o devedor somente inicie a negociação com os credores, para a superação da crise, após o ingresso do pedido de recuperação judicial, pois esta situação não revela qualquer pretensão resistida por parte dos credores, faltando o interesse de agir. Não se pode reconhecer ao devedor o direito absoluto de escolher o meio de solução da crise que tem se mostrado caro, demorado e ineficiente, havendo outro mais barato, caro e eficiente", completou.
O magistrado afirmou ainda que o estímulo à solução consensual mais rápida, menos custosa e mais eficiente ("primeiro a negociação privada, depois a recuperação extrajudicial, e somente como último recurso a recuperação judicial") é um "dever de todos os que atuam na solução das crises empresariais".
Por fim, segundo Filho, o comportamento do devedor, antes do pedido e no curso do processo, também deve ser levado em conta para a apreciação dos pedidos. "A falta de empenho na negociação e a inexistência de propostas razoáveis para a satisfação dos interesses dos credores não pode pautar a atuação do devedor em juízo", concluiu.
Pedido deferido
Depois dessas considerações, o magistrado deferiu o processamento do pedido de recuperação judicial. "Presumindo que o devedor se esforçou na solução extrajudicial e não obteve êxito, em razão da grande quantidade de credores trabalhistas e da incapacidade de evitar as penhoras que têm recaído sobre recursos financeiros, e porque aparentemente estão presentes os requisitos dos artigos 48 e 51 da Lei 11.101/2005, deve ser deferido o processamento", disse.