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Karina Conceição trabalhava como recepcionista em uma clínica médica em Nova Lima, Minas Gerais, e um dia apareceu com tranças em seu cabelo. Sua chefe pediu que ela tirasse as tranças, mas a recepcionista se negou e, por isso, foi demitida. A mulher acionou a Justiça do Trabalho, que determinou que ela deve ser indenizada em R$ 30 mil por danos morais por dispensa discriminatória.
A profissional foi fotografada por sua chefe, que enviou a imagem para uma consultora de imagem que prestava serviços à clínica. Na decisão, o juiz Henrique Macedo de Oliveira transcreve a conversa entre a consultora e a recepcionista, na qual a consultora diz que o cabelo de Karina “não é formal”.
“É muito informal para sua profissão, sabe Karina, principalmente no padrão da clínica da Lívia, com os clientes que a gente atende, com a imagem da clínica precisa ter mesmo. Não dá para você trabalhar com ele, fica muito informal mesmo, sabe, tem até uns penteados, alguns cortes de cabelo que de fato é dress code de empresa muito casual, muito informal, não se enquadra tipo em banco, clínica médica, essas coisas”, disse a consultora.
Para o juiz, não há nos autos “nenhum elemento de convicção que indique que as tranças da demandante fossem, de algum modo, impróprias para utilização no local onde a atividade profissional era exercida”. O magistrado destaca que sequer foi juntada imagem da trabalhadora com as tranças que causaram o constrangimento perpetrado pelas rés.
O juiz diz em sua decisão: “As tranças afro constituem-se em relevante símbolo de ancestralidade para grande parte das mulheres negras e compõem um conjunto de recursos estéticos utilizados há muito tempo, mas que, atualmente, tendem a repercutir de forma muito significativa na afirmação da imagem dessas mulheres e no processo de (re) construção da sua autoestima. Dessa constatação, deflui o indiscutível valor histórico e cultural dos cabelos trançados à moda africana, sem prejuízo do significado individual. Como se vê, uma análise sociológica do tema trazido ao conhecimento deste Juízo afasta a validade da alegação das reclamadas no sentido de que o uso das tranças seria incompatível com a formalidade do ambiente de trabalho”.
Para Macedo de Oliveira, “o tratamento dado ao tema pela empregadora parte de um raciocínio reducionista e que carrega uma visão muito distorcida da nossa sociedade, tão plural quanto complexa em sua identidade”. O juiz afirmar que a conduta da empresa contribuiu para a “invisibilidade dos signos que se articulam em torno da afirmação da pessoa negra, com o qual o Poder Judiciário, cujo papel contramajoritário desafia uma resposta firme em busca da concretização dos direitos fundamentais em sua conformação mais ampla, não pode compactuar”.
“Assim, o acesso, a permanência ou a ascensão da pessoa negra nas instituições (públicas ou privadas) são, não raro, mais penosos do que para o indivíduo branco, sem que tal circunstância seja explicitamente demonstrada”, diz o juiz.
A empresa alegou que a demissão se deu em razão da crise econômica causada pela pandemia da Covid-19. Entretanto, o juiz afirma que esta alegação não prospera, pois a ligação entre a consultora de imagem e a recepcionista reforça a tese de que a demissão teve como causa o uso das tranças.
“Está claro que a sua escolha pela dispensa da autora teve ao menos como concausa a recusa da trabalhadora em modificar o visual. Isso porque a sobredita ligação telefônica ocorreu em 14/04/2020, e o encerramento do contrato se deu no dia 20/04/2020, ou seja, menos de uma semana depois. Reforça esse raciocínio a declaração da segunda reclamada, que, agindo como preposta da primeira, durante a ligação telefônica, afirmou que ‘a pessoa pode ter o estilo que ela quiser, mas a partir do momento que ela tem um trabalho e o trabalho dela tem o Dress Code Corporativo formal, ela precisa se enquadrar nisso ou então não tem como ela trabalhar’”., afirma o juiz.
Assim, o juiz considerou que a empresa deve pagar R$ 30 mil de indenização por se tratar do desrespeito ao princípio constitucional da igualdade, do qual decorre a obrigação de não discriminação, a intensidade do sofrimento ou da humilhação e os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão.