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As novas regras do vale-alimentação, que estabelecem limites para as empresas deduzirem os valores pagos a seus funcionários, são avaliadas por advogados como ilegais e contrárias aos princípios do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador).
Segundo o decreto 10.854, publicado no Diário Oficial da União em 11 de novembro pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), as empresas terão direito de abater até 4% dos valores, mas apenas dos benefícios pagos a trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos (R$ 5.500 em 2021). Atualmente, o percentual é de 4%, mas não há essa limitação na renda dos funcionários.
"Hoje, a regra é que os trabalhadores com rendas mais elevadas podem ser incluídos no PAT desde que [a empresa] garanta a cobertura de todos os trabalhadores. Essa [nova] regra desvirtua a própria natureza do programa, que é incentivar as empresas a investir e garantir uma alimentação de qualidade aos seus funcionários", afirma Erika Regina Ferraciolli, advogada tributarista do Orizzo Marques Advogados.
Mais uma mudança é que o valor empregado no pagamento do vale-alimentação de um funcionário para que a empresa possa deduzir do IRPJ ficaria limitado a um salário mínimo (R$ 1.100 em 2021), ou seja, para ter direito ao incentivo fiscal, o empregador poderia gastar até R$ 1.100 no benefício alimentar por funcionário. Não existe um limite hoje.
Mayara Mariano, advogada especialista em direito empresarial do escritório Mariano Santana Sociedade de Advogados, afirma que, de acordo com o decreto, a única possibilidade de o PAT englobar todos os trabalhadores de uma empresa é por meio do fornecimento de serviço próprio de refeições ou da distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva.
"É possível considerar que o decreto extrapolou seu papel e é ilegal, ao instituir restrições severas na perspectiva de dedução tributária e no próprio alcance da política pública de alimentação dos trabalhadores. Este tema merece maior amadurecimento", avalia advogado Marco Aurélio Serau Junior, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
O especialista destaca a importância do PAT para melhorar a perspectiva alimentar dos funcionários, "o que ganha relevância se considerarmos que essa política pública se destina especialmente aos trabalhadores de baixa renda".
"Na prática as empresas tendem a ter uma redução do seu benefício fiscal, o que pode desestimular a participação no PAT", afirma Geraldo Korpaliski Filho, sócio da área trabalhista do Souto Correa Advogados.
AINDA FALTA REGULAMENTAÇÃO
Além de ferir os princípios do PAT os especialistas assinalam que o artigo viola o princípio da anterioridade anual --período de espera do exercício financeiro seguinte ao da publicação de um texto. Vale lembrar que, atualmente, as previsões do decreto estão em fase de regulamentação pelo Ministério do Trabalho e Previdência.
"Na linha do entendimento do STF [Supremo Tribunal Federal], a revogação ou restrição de incentivos fiscais que acabem implicando o aumento da tributação devem obedecer ao princípio da anterioridade. Me parece ser este o contexto das restrições, ou seja, a aplicação das regras antes de 2022 viola a regra da anterioridade", esclarece Erika, do Orizzo Marques Advogados.
"O STJ [Superior Tribunal de Justiça] já analisou situações em que se fez alterações nas regras do benefício fiscal relativo ao PAT por meio de decreto e entendeu que tais alterações seriam ilegais", adiciona Augusto Bercht, sócio da área tributária do Souto Correa Advogados.
Por outro lado, o advogado trabalhista Danilo Pieri Pereira, do Baraldi Melega Advogados, não vê ilegalidade neste trecho do decreto. "Na verdade, o decreto apenas regulamenta e atualiza o PAT, que já existe", defende.
Em nota, o Ministério do Trabalho e Previdência afirma que o programa passou a privilegiar o trabalhador com menor renda, "tendo em vista que limita a dedução no imposto de renda pessoa jurídica das despesas de custeio com o programa apenas aos trabalhadores que ganham até cinco salários-mínimos".
"A alteração também vai ao encontro de recomendações de relatório de auditoria da CGU [Controladoria-Geral da União], de que a alocação do benefício apresenta distorções, com baixa atratividade ao público-alvo, especialmente aos trabalhadores de menor renda", diz o comunicado.
Por fim, a pasta garante que a legalidade de toda a norma, inclusive do artigo que discorre sobre os limites para dedução ligados ao PAT, foi avaliada pelas Procuradorias-Gerais da Fazenda Nacional e pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidencia da República, não sendo apontados óbices.