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Pequenas empresas ainda veem obstáculos no acesso a crédito

Fonte: Valor Econômico
15/05/2020
Crédito

Micro, pequenas e médias empresas ainda encontram obstáculos no acesso ao crédito em meio à crise, apesar de o volume de concessões a pessoas jurídicas ter aumentado em março e abril.

Representantes de dez setores ouvidos pelo Valor relatam alta nas taxas em algumas situações e maior exigência de garantias na busca por novas linhas, e se queixam da demora da liberação de programas oficiais para financiar o segmento.

“Falo com lojistas todos os dias e os recursos não chegam, eles não conseguem acessar”, afirma Glauco Humai, presidente da Abrasce, associação que reúne 400 shoppings.

Não é que o dinheiro esteja indisponível. De acordo com ele, as modalidades são as mesmas oferecidas antes da crise, com as mesmas taxas. Em alguns casos, houve até redução dos juros. Mesmo assim, afirma Humai, isso não basta para o momento atual, em que a maior parte das lojas de shoppings está fechada.

Os bancos passaram a pedir mais garantias dos varejistas. No entanto, a paralisação das atividades reduziu a disponibilidade do principal ativo dessas empresas — os recebíveis de cartões. A Abrasce negocia linha com o BNDES e se dispõe a assumir o risco e repassar recursos sem spread. Sem perspectiva de reabertura e sem crédito suficiente, a associação estima que 20% de 105 mil lojistas deixarão de operar em 30 dias.

A Abrasce negocia linha com o BNDES e se dispõe a assumir o risco e repassar recursos sem spread. Sem perspectiva de reabertura e sem crédito suficiente, a associação estima que 20% de 105 mil lojistas deixarão de operar em 30 dias.

Assegurar a sobrevivência também é uma necessidade na indústria de máquinas. A Abimaq, associação do setor, fez sondagem com 8 mil empresas e detectou que 45% precisam de capital de giro para continuar operando. Dessas, 25% das que recorreram a bancos contrataram essa modalidade de crédito. O custo médio, próximo de 12,5% ao ano, foi considerado elevado, e a exigência de garantias aumentou.

Os pedidos de colateral mais reforçado também são apontados pelas empresas de implementos rodoviários como um empecilho. Segundo Norberto Fabris, presidente da Anfir, associação do setor, os bancos têm oferecido taxas mensais a CDI mais um spread superior a 1%. “O segmento tem muitas companhias pequenas que produzem baús para entregas de mercadorias nas cidades”, afirma.

“O dinheiro não está chegando onde tem de chegar”, diz José Veloso, presidente da Abimaq.

Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que a concessão de crédito a pessoas jurídicas somou R$ 322,9 bilhões entre 16 de março, quando a crise estourou, e o fim de abril -— entre recursos novos, renovações e prorrogações de parcelas.    O volume cresceu 40% frente a março e abril de 2019. “Isto ocorreu em razão do expressivo aumento na demanda por crédito bancário em geral, por conta da forte incerteza do cenário econômico, da redução das operações no mercado de capitais e do cancelamento de linhas de financiamento externo para o Brasil. A expansão na demanda foi atendida pelo setor bancário doméstico”, diz a entidade que representa as instituições financeiras.

As grandes empresas ficaram com mais de R$ 200 bilhões do total concedido nesses 45 dias. No fim de março, as companhias de maior porte correram aos bancos em busca de liquidez, o que pressionou a oferta e as taxas.

Foi o caso da M. Dias Branco, que captou quase R$ 500 milhões em recursos bancários no primeiro trimestre para fortalecer o caixa. “Pegamos recursos bem no comecinho da pandemia. Mesmo assim, os bancos brasileiros e internacionais aumentaram spreads. Em média, tivemos alta de dois pontos percentuais no custo da dívida”, diz Gustavo Theodozio, vice-presidente de investimentos e controladoria.

A corrida das grandes empresas por crédito ficou visível nos balanços dos bancos no primeiro trimestre, e foi comparada pelo presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., à demanda das pessoas por álcool em gel no início da pandemia. “A situação já foi normalizada”, disse em teleconferência de apresentação de resultados.

No setor químico, a percepção é de que houve dificuldade para o acesso a recursos emergenciais no início da crise. “O dinheiro não chegava por falta de capilaridade ou então chegava, mas estava caro”, diz o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Ciro Marino.

Segundo ele, o fluxo melhorou após a permissão para que o BC compre títulos públicos e privados no mercado e não há grandes queixas entre os associados agora.

Executivos ligados a bancos afirmam que não há orientação para aumentar as taxas de juros das operações de créditos. Segundo eles, as tabelas praticadas antes do início da crise foram mantidas e, em alguns casos, até reduzidas por causa da queda da Selic.

Dados do BC também mostram estabilidade ou queda dos juros. Isso não quer dizer que o dinheiro não chegue mais caro ao tomador, que pode ter seu risco de crédito aumentado com a retração da atividade.

Fonte ligada aos bancos confirma que a exigência de garantias pelas instituições financeiras aumentou e se tornou o “novo normal” neste ambiente de incertezas.

“É uma forma de manter o limite, até aumentá-lo, sem subir muito as taxas e seguir ofertando crédito”, diz. “Seria ingenuidade acreditar que passaríamos por um evento dessa magnitude sem que as condições de crédito sofressem qualquer alteração.”

A crise atual, de proporções ainda desconhecidas, levou os bancos a aumentar a cautela diante de uma provável escalada da inadimplência. Sinal disso foi o aumento de 88,4% nas despesas com provisões para devedores duvidosos dos maiores bancos do país (Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil), que somaram R$ 25,8 bilhões no primeiro trimestre.

Uma tentativa de mitigar o risco do crédito a pequenas empresas foi a linha para financiar folhas de pagamento, em que 85% dos R$ 40 bilhões oferecidos vêm do Tesouro. Os recursos podem ser tomados a 3,75% ao ano e pagos em 36 meses.

A demanda ficou aquém do que os bancos imaginavam pelas exigências de as companhias não demitirem, terem folha em banco (muitas pagam os funcionários em dinheiro) e não terem pendências com o INSS — esta condição foi retirada com a aprovação de PEC.

O mercado das gráficas, formado predominantemente por micro e pequenas empresas, é exemplo da baixa efetividade da medida. O presidente da Abigraf, Nacional, Levi Ceregato, diz que apenas 3% das companhias que pediram a linha tomaram os recursos.

Agora, os bancos discutem com o governo mudanças no crédito à folha, com a ampliação do escopo de empresas atendidas subindo para um recorte de faturamento de até R$ 30 milhões, ante os R$ 10 milhões atuais.   Outra aposta das instituições financeiras é em mudanças no Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), do BNDES, para servir de lastro em empréstimos a pequenas e médias empresas. O desenho prevê que o fundo absorverá boa parte da inadimplência dessas operações.

Há, em diversos setores ouvidos pelo Valor Econômico, a sensação de que os bancos públicos são mais restritivos no crédito e que falta agilidade do governo para fazer o dinheiro fluir.

Para alguns executivos, os programas em discussão no Ministério da Economia e BNDES estão demorando demais para sair do papel. O BNDES já concedeu R$ 2,2 bilhões de uma linha emergencial de R$ 5 bilhões voltada para empresas de pequeno e médio portes.    Além disso, reduziu a exigência de documentação, e trabalha em um modelo de distribuição de crédito por meio de fintechs e credenciadoras. “Estamos buscando outros caminhos que não o bancário para fazer o crédito chegar à ponta”, afirma fonte próxima.

O banco de fomento também discute operações setoriais, como no caso de shoppings, em que o crédito será concedido a uma entidade setorial e distribuído às pequenas. Há ainda conversas do BNDES para apoiar companhias do setor de eventos em parceria com bancos regionais.

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