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O debate sobre aluguéis via plataformas digitais como o Airbnb deve se alongar nos tribunais, mesmo após duas decisões unissonantes da 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste ano (REsps 1.884.483 e 1.819.075).
Em ambas, a maioria dos ministros votou por permitir que condomínios residenciais proíbam o aluguel de imóveis, sob a condição de que a decisão seja definida em assembleia por dois terços dos moradores. Conforme as decisões, a locação por prazo inferior a 90 dias confere à prática a característica de hospedagem remunerada – ou seja, há mudança de destinação do imóvel de residencial para comercial, o que pode ser vedado pelas convenções condominiais.
“Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito constitucional de propriedade de quem coloca o seu imóvel para alugar”, sustentou a empresa em nota enviada ao JOTA. O mesmo argumento é central para outras plataformas do mercado com o mesmo modelo de negócio.
O voto vencedor no REsp 1.819.075, do ministro Raul Araújo, por exemplo, considera que o aluguel de unidades pela plataforma digital é um contrato atípico, distinto da locação por temporada e da hospedagem oferecida por hotéis, porque não existe na legislação a previsão de exploração de imóveis residenciais por tão pouco tempo e sem critérios definidos. Por isso, a assembleia é soberana sobre a liberação ou não.
O Airbnb ainda analisa eventuais recursos, mas afirmou ao JOTA que, por se tratar de casos específicos e pontuais, as decisões do STJ não devem determinar a proibição de locação via plataformas de maneira geral.
Embora concordem que os precedentes do STJ sirvam de parâmetro para casos semelhantes aos julgados, advogados ouvidos pelo JOTA divergem sobre a consolidação da tese e a consequente replicação por tribunais locais.
“Parece-me que o entendimento não reúne condições para ser replicado de forma indiscriminada em instâncias inferiores, uma vez que as decisões não possuem efeito vinculante e o tema não foi discutido detidamente”, avalia o advogado especialista em direito imobiliário Felipe Tremarin, do escritório Souto Correa. “As decisões são voltadas a casos concretos, então ainda é cedo para tirar conclusões definitivas do julgamento. Uma eventual sentença judicial não poderia se basear simplesmente nesses julgados.”
Thiago Nicolay, advogado de Direito Imobiliário do escritório Schwartz Nicolay, pensa de forma diferente. Embora as decisões não tenham observância obrigatória, na visão dele, os tribunais locais deveriam se curvar a elas. “Se um juiz de um tribunal local dá uma decisão contrária a uma posição já firme do STJ, é evidente que isso será reformado”, critica.
Na tese em si, um ponto é destaque como controvérsia: o direito fundamental à propriedade privada. É o principal argumento do Airbnb, que foi parte no último processo julgado e alegou que, além de ferir a Constituição, a proibição também gera negativamente grande impacto econômico.
A reportagem apurou que há condomínios na cidade de São Paulo proibindo a locação de forma unilateral depois das decisões do STJ, o que pode trazer novos elementos à discussão.
Caso pode chegar ao STF
Como duas turmas tiveram o mesmo entendimento sobre o tema, é improvável que a discussão se estenda no STJ, embora caibam embargos de declaração para sanar eventuais contradições.
A tendência, já que a principal controvérsia trata de tema constitucional, é que a discussão vá para o Supremo Tribunal Federal (STF) em breve. Não há, porém, previsão de tempo para que isso aconteça.
Para Tremarin, o veto à locação de fato fere o direito constitucional. “Se a gente interpretar os dispositivos do Código Civil que regulam propriedade e condomínios, a proibição à locação por meio de plataformas vai contra o núcleo do direito de propriedade imobiliária”, diz. Neste núcleo estão as faculdades de usar, gozar e dispor. Se o condomínio estabelece limites ao uso ou a fruição do bem individual, argumenta Tremarin, ele está limitando a extensão da propriedade desse bem.
Defensores da tese contrária argumentam que é preciso observar o direito à propriedade, mas que também deve ser levado em conta o direito constitucional à vizinhança dos outros condôminos. Assim, a decisão da maioria deveria ser soberana.
“O direito à propriedade não pode se sobrepor à decisão do condomínio, que consubstancia a convenção do condomínio. A decisão do condomínio é soberana, tem que prevalecer”, argumenta Nicolay. Ele ressalta que, em hipótese alguma, a proibição deve ser determinada “monocraticamente” por síndicos ou administradores, o que tem acontecido em alguns condomínios de São Paulo.
Congresso
Outra alternativa para pacificar as regras de locação são projetos de lei no Congresso. Conforme especialistas, este seria o melhor caminho – porém, o mais demorado e custoso.
“Cabe o questionamento se uma alteração legislativa seria imprescindível. Penso que não. Podemos trabalhar com as normatizações e, com o tempo, vamos assentando o entendimento”, opina Felipe Tremarin.