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Camille Lins, de 20 anos, descobriu que estava grávida com quase três meses de gestação. A revelação veio acompanhada de inúmeras inquietações, principalmente porque o relacionamento com o pai da criança havia sido breve. Os dois nem se falavam mais. Ele prometeu ajuda financeira, mas só após um exame de DNA que comprovasse a paternidade. Ainda com a criança no ventre, a dona de casa procurou a Defensoria Pública, no bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, e deu entrada no pedido de alimentos gravídicos, um tipo de pensão direcionado à mulher para despesas da gravidez.
Na instituição, os números que envolvem esse benefício cresceram mais de 300% no estado: foram de 448 pedidos, em 2020, para 1.796 no ano passado. A estimativa de dois anos atrás pode ter sido afetada por restrições provocadas pela Covid-19, mas o fato é que o aumento continua: até setembro de 2022 foram abertos 1.847 casos de alimentos gravídicos na Defensoria do Rio. Para a defensora Christiane Serra, a pandemia, por outro lado, afetou em especial a população mais vulnerável, que é o público atendido pelo órgão estadual.
Lei pouco conhecida
O direito, garantido por lei ainda pouco conhecida, de 2008, busca contribuir para a proteção da mãe e do bebê durante os nove meses de gestação. Na avaliação da advogada Catarina Souto, as redes sociais também teriam parcela de contribuição para esse crescimento.
— As redes ajudaram a difundir informações e direitos que as mulheres ainda não conheciam, inclusive sobre alimentos gravídicos e como solicitá-los — opina a advogada.
A lei prevê auxílio de custo para cobrir alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto e medicamentos, entre outros itens. O valor em questão, que considera a parte do pai nos gastos, é definido pelo juiz e devido, em geral, a partir de sua citação no processo. Alguns advogados consideram que a fixação deve ser feita a partir da concepção da criança.
Depois do nascimento, a quantia estabelecida é automaticamente convertida na pensão alimentícia convencional. Não é necessária a requisição de teste de DNA para a solicitação de alimentos gravídicos, mas é imprescindível que a mulher comprove a existência de uma relação com indícios de paternidade.
— O relacionamento pode ser provado por conversas do WhatsApp, fotos, vídeos ou testemunhas. Se ficar evidente a possibilidade de aquele parceiro ser o pai, a justiça considera os indícios suficientes para fixar os alimentos gravídicos. O objetivo é garantir a segurança e prestar apoio a essa mulher em um momento delicado da sua vida — esclarece a defensora Christiane Serra.
A ação de alimentos está sob o princípio jurídico de irrepetibilidade: isso quer dizer que não é possível solicitar a devolução dos valores pagos, mesmo se, após o exame, for negada a paternidade. Isso acontece porque o valor é concedido com a intenção de garantir a sobrevivência, logo não há possibilidade de restituição. A defensora explica que a exceção acontece quando fica clara a má-fé da solicitante, o que não é comum.
Joana (nome fictício), de 35 anos, descobriu a gravidez logo após se separar do pai da criança. Quando recebeu a notícia, ele quis retomar o relacionamento — e, depois da negativa da mulher, se recusou a dividir os gastos durante a gestação. Sem aceitar a decisão dela, o ex-companheiro chegou a prendê-la dentro de casa enquanto ela tentava retirar suas coisas.
— Tive que tirar meu filho da escola particular e parar de pagar o plano de saúde para conseguir arcar com os custos da minha gravidez, principalmente porque não tive apoio da minha família. Na época, cheguei a pensar em desistir da gravidez, mas Deus tirou isso da minha cabeça — desabafa a moradora do bairro de Cosmos, também na Zona Oeste da cidade.
Na Defensoria Pública do Rio, mais de 160 mil atendimentos feitos no ano passado estavam ligados a pedidos de pensão alimentícia. Como nem todos os casos abertos pela instituição se tornam processos jurídicos, o GLOBO buscou entender quantos deles foram decididos de forma extrajudicial, mas o órgão informou que não dispõe desses dados. A defensora Christiane Serra garante que sempre incentiva um acordo entre os pais para esse tipo de ação.
— Além de mais rápida e efetiva, essa forma de resolver o conflito causa menor desgaste emocional para as partes. Nesses casos, o atendimento da instituição consiste em auxiliá-los na construção de um acordo escrito que tenha validade jurídica.
Processo demorado
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro afirma que não são raros os casos em que a ação precisa prosseguir após o nascimento do bebê. Apesar do grande número de pedidos na Defensoria Pública, de setembro de 2021 até o mês passado, o TJRJ sentenciou apenas 91 processos, com pelo menos 28 decisões favoráveis para esse tipo de pensão. De acordo com o órgão, “os processos de alimentos gravídicos, por sua natureza, demandam uma instrução detalhada a fim de não prejudicar nenhuma das partes”. Ainda existem 551 casos pendentes de conhecimento do juiz.
— Procurei a Defensoria Pública com quatro meses de gravidez, mas só consegui iniciar o processo oficialmente três meses depois. Sempre me pediam um documento novo. Até hoje não houve nenhuma audiência — queixa-se Camille. Seu filho, Kauê, já completou três meses de vida.
O Tribunal de Justiça também esclarece que, muitas vezes, o suposto pai se esquiva de receber a citação do processo, o que torna “essa fase mais demorada”. Além disso, cada processo tem uma característica particular e “segue sua tramitação de acordo com os elementos apresentados pelas pessoas envolvidas”.
— Assim que a mulher descobre a gravidez, e o pai se nega a ajudar, é importante que se entre imediatamente com o pedido. Todo processo judicial demora, então o ideal é dar início o mais rápido possível — explica a advogada Catarina Souto.
Joana aguarda uma decisão nos processos de pensão para o filho mais velho, de 11 anos, e para o bebê, que já completou 5 meses. Depois de ter se afastado do trabalho às pressas por causa de uma gravidez de risco, e descobrir outros problemas de saúde, ela diz estar desolada:
— Sou sozinha, não tive ninguém do meu lado em momento nenhum. Sou só eu, Deus e meus filhos.