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O aumento do aluguel - ou mesmo a manutenção do seu valor durante a crise econômica provocada pelo coronavírus -motivou um grande número de comerciantes a recorrerem à Justiça para evitar o fechamento definitivo de lojas e estabelecimentos na pandemia. O índice que normalmente corrige os contratos, o IGP-M, acumula alta em 12 meses de 32,02% em abril.
Os pedidos se concentram na redução ou suspensão do valor do aluguel. Em geral, comerciantes que comprovaram ter sido afetados financeiramente conseguiram redução, mas dentro de alguns parâmetros. Já existem ações que garantiram abatimento de até 80% no aluguel.
Mas normalmente a autorização é menor e para períodos limitados, como enquanto durarem medidas que impeçam ou restrinjam a abertura da loja. Tem prevalecido o entendimento de que os fardos da pandemia devem ser compartilhados, o que significa que não há suspensão de pagamento.
Levantamento feito pela equipe cível do escritório de advocacia Finocchio & Ustra Advogados reúne, entre outros, casos de restaurantes, loja de carros, escola, estabelecimentos que funcionam em shoppings e até mesmo uma igreja que, ao fechar as portas, teve sua arrecadação prejudicada.
Os casos abrangem processos da primeira e da segunda onda da pandemia. Foram levantados exemplos nos Tribunais de Justiça (TJs) do Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo.
‘Não onerar nenhum lado’
Em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre, uma lanchonete conseguiu um desconto de 30%, porque “é preciso dividir entre o locador e o locatário o esforço necessário para a continuidade da relação jurídica neste momento de crise”.
Em Goiânia, uma loja conseguiu na primeira instância desconto de 30%. Tentou diminuir o valor ainda mais na segunda instância, sem êxito, porque a avaliação foi de que a redução já autorizada estava “em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de se preservar, em última análise, o equilíbrio entre os contratantes”.
Em Belo Horizonte, uma loja conseguiu reduzir em 70% o aluguel na primeira instância. Na segunda instância, porém, o valor ficou em 50%, “como forma de não se prejudicar demasiadamente uma das partes em detrimento da outra", uma vez que “os efeitos da pandemia são sentidos por todos”.
— A suspensão do aluguel comercial em razão do fechamento dos estabelecimentos, ela majoritariamente não foi aceita. O que alguns tribunais foram aceitando, conforme o caso, foi uma redução, um percentual do aluguel para não onerar nenhum dos lados. Mas mesmo assim tem algumas decisões que nem isso dão, que acabam mantendo o valor tal como está, ou aguardando que o locador responda a ação, para numa análise mais aprofundada definir um percentual de desconto — diz a advogada Raissa Martins, que participou da elaboração do levantamento.
Para Angelo Campos, de 60 anos, o jeito foi fechar as portas de algumas unidades de sua rede de lojas. Ele recebeu reajustes que variam de 24% a 31% no aluguel de seus pontos de venda.
— Até aceitamos uns 9%, que já é um número alto, mas esse percentual de reajuste que tivemos não tem como. Precisei fechar algumas lojas e terei que fazer isso com mais algumas caso não haja negociação. Não está nada fácil. Ter um aumento como esse, no meio de uma pandemia na qual as lojas ficaram fechadas por quatro meses e depois por mais 45 dias é inviável — disse.
E de fato há casos em que a Justiça não reduz o valor. Em Porto Velho, uma concessionária de veículos não conseguiu demonstrar queda no faturamento ou a dificuldade em manter pagamentos.
Em Brasília, uma solicitou a suspensão do aluguel, mas não pleiteou uma redução menor, e teve o pedido negado numa decisão que trouxe a observação: “é importante dizer que a pandemia não é um salvo conduto para o descumprimento generalizado dos contratos”.
Os tribunais analisam as características específicas de cada caso. Um restaurante em um shopping de Florianópolis, por exemplo, queria suspender o aluguel por dez meses. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) se limitou a reduzir o valor em 30% porque, entre outra coisas, o estabelecimento pôde funcionar na maior parte da pandemia e, mesmo quando estava fechado, ainda poderia fazer entregas.
Em Curitiba, uma rede de academias conseguiu na primeira instância desconto de 80% no aluguel pago em uma de suas unidades. Na segunda instância, foi levado em conta o tamanho da rede, espalhada por todo o país, e o desconto foi reduzido para 40%.
Uma escola em Minas Gerais conseguiu manter na segunda instância desconto de 76% porque “a atividade-fim explorada — ensino particular da educação infantil, pré-escola e ensino fundamental — foi severamente atingida pela pandemia, diante do fechamento das escolas”.
Em São Paulo, uma cafeteria conseguiu negociar ano passado desconto de 50% por período determinado. Após o fim o prazo, as dificuldades econômicas continuaram, mas os proprietários se negaram a diminuir o valor.
A situação piorou com novas restrições no Estado de São Paulo e, ao analisar o recurso, a 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizou a continuidade da redução de 50%.
Uma igreja em Belo Horizonte conseguiu abatimento de 80% no aluguel. O dono do imóvel recorreu, alegando, entre outra coisas, que o decreto de 2020 não suspendia atividades religiosas.
Destacou que a igreja tem emissora de rádio e de TV, além de WhatsApp, com alcance maior do que os cultos. Acrescentou que sobrevive do aluguel pago pela igreja e por outros inquilinos.
Papel do IGP-M
A 11ª Câmara Cível o Tribunal e Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou recurso. Houve reconhecimento de que o decreto não incluía igrejas, mas a decisão avalia que a igreja foi afetada, “uma vez que as arrecadações, em sua maioria, são realizadas no momento de celebrações de seus cultos”.
Algumas vezes, o caso não precisa ir à Justiça, porque há negociação prévia entre proprietário e inquilino.
— Grande parte vai negociar mesmo, não só em aluguel, mas em contratos em geral. Então a gente tem estimulado, e tem dado muito certo essa negociações para definir períodos, pensar em medidas, algumas saídas — explica Raissa.
Paralelamente, há uma outra discussão na Justiça: a substituição do IGPM pelo IPCA, o índice oficial de inflação.
O economista Cláudio Frischtak, fundador da Inter B. Consultoria, elaborou estudo em que contrasta o desempenho dos dois indicadores e avalia o uso do IGP-M para indexar contratos em geral, não apenas aluguéis.
Segundo o texto, em condições excepcionais como as da pandemia, marcada por um choque de preço de commodities e pela forte alta do dólar, o uso do IGP-M nega a função de um índice de correção, que é “preservar o valor objeto do contrato da corrosão inflacionária, evitando ganhos sem causa de qualquer das partes”. O texto conclui que usar o indicador não faria “sentido econômico”.