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De site em site, Andressa dos Anjos Carvalho, 43 anos, passa horas escolhendo produtos. Em pouco tempo, o carrinho já está cheio de utensílios de cozinha, itens para a reforma do seu quarto e mimos para seus pets, a gata Nina e a cachorrinha Meg. Mas, na hora de finalizar as compras, Andressa cancela, até repetir tudo novamente. Trata-se de pura válvula de escape.
—Virou um vício — conta a moradora de Brasília, que está afastada do emprego por problemas psicológicos adquiridos, segundo ela, por causa da excessiva carga de trabalho.
Esse é o reflexo de um problema que aflige a bancária e um número crescente de brasileiros: a espera por uma resposta do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre pedidos de concessão de benefícios.
Sem renda e sem qualquer suporte, milhões vivem no limbo enquanto a instituição demora a resolver, entre muitos problemas, o gargalo da fase de perícias médicas.
Andressa aguarda seu auxílio-doença desde janeiro. No dia da consulta, o perito sinalizou que concederia dois meses de benefício, segundo ela.
— Disseram que eu teria uma resposta dentro de 48 horas pelo 135 (telefone) e Meu INSS (aplicativo). Até hoje nada — reclama.
Sem resposta, ela fica sem ação. Se o pedido fosse negado, poderia tentar recorrer. Do jeito que está, não pode nem marcar uma nova perícia. Sem o auxílio, diz enfrentar dificuldades para pagar os medicamentos, uma despesa de quase R$ 500 por mês, além da conta com psicoterapia.
Onde é o fim da fila?
O INSS tem hoje o maior número de pessoas à espera de uma resposta da sua história. Há, no mínimo, 2,85 milhões de requerimentos em análise, segundo dados inéditos obtidos pelo GLOBO. Trata-se de um contingente comparável à população de Salvador, quarta cidade mais populosa do país.
Deste total, 964,5 mil são pedidos de benefícios por incapacidade, que dependem de perícia médica.
O volume represado é ainda maior porque não estão computados nesses números outras filas, como a do Conselho de Recursos da Previdência Social, de revisão e manutenção de benefícios e de certificado de tempo de serviço.
Os dados foram levantados a partir de relatórios de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas da União (TCU), do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Técnicos ligados ao INSS afirmam que o governo tem feito esforços para diminuir o tamanho da fila, citando um acordo firmado pelas autoridades do Executivo com o Supremo Tribunal Federal (STF), em meados do ano passado, para reduzir o tempo de espera do segurado sob pena de pagamento de multa.
O prazo máximo é de 90 dias e mínimo de 30 dias, dependendo da complexidade do benefício. Também houve investimento em automação e melhoria nos processos de gestão.
Fator pandemia
Isso tudo teve efeito positivo. A fila de benefícios que depende exclusivamente do INSS e não precisa de perícia tem diminuído. Entre dezembro de 2020 e dezembro de 2019, houve uma redução de 249 mil processos; entre dezembro de 2021 e 2020, saíram da fila outros 215 mil.
Mais recentemente, no entanto, a fila voltou a subir. Uma das que estão à espera é a cozinheira Joana D’Arc Fernandes. Desde julho, ela aguarda resposta sobre um adicional de 25% pago à família de idosos que necessitam de cuidadores.
O marido, James Mendes, aposentado por decisão judicial por causa de um problema na coluna, ficou com sequelas da Covid-19. Sem vacina, ele adoeceu em fevereiro do ano passado.
Além de dificuldades de locomoção, ele diz ter adquirido arritmia cardíaca, diabetes e problemas psicológicos pelo drama vivido no hospital e pela perda da mãe e da irmã com a doença.
Agora precisa tomar 16 tipos de medicamentos e depende de tratamento com psiquiatra e fisioterapeuta. O benefício de um salário da aposentadoria não cobre as despesas, afirma Joana.
Ela vende marmitas para ajudar na renda da família e lamenta o estado de saúde do marido, que vendia churrasquinho em um quiosque no Guará II, cidade satélite do Distrito Federal.
— A renda despencou. O adicional de 25% já ajudaria a pagar uma conta de luz. O James era uma pessoa muito ativa. Dá pena vê-lo assim— lamenta Joana.
— Eu vendia 15 tipos de espetinhos de carne. Meu “churrasco do gaúcho” era o melhor da cidade — conta James em voz baixa.
Joana garante que enviou toda documentação e laudos médicos exigidos pelo INSS. Mas a resposta do sistema é sempre a mesma: “em análise”.
Não é à toa que o INSS aparece entre os principais alvos de ações judiciais. Segundo dados oficiais, 75% das ações apresentadas contra a União em 2021 foram contra o INSS, o que correspondente a 2,4 milhões de processos.
Em busca das causas
Segundo o diretor do IBDP, Diego Cherulli, excesso de burocracia e, principalmente, falta de pessoal são as grandes explicações para a fila do INSS. Ele diz que o governo não repôs os servidores que se aposentaram em 2018 e que a contratação temporária para ajudar reduzir a fila não surtiu, até agora, o efeito esperado.
— O INSS precisa dar mais autonomia aos servidores. O que passa para o servidor é que ele é um potencial fraudador. Por isso demora tanto. Exige-se coisas que as pessoas não conseguem cumprir —afirma Cherulli.
Quem paga a conta?
O representante da CUT no Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), Ariovaldo de Camargo, acusa o governo de um desmonte do ponto de vista financeiro e de pessoal. Ele afirma que, dada a complexidade na concessão de alguns benefícios, não basta investir somente em softwares e máquinas.
— Lamentavelmente, a direção do INSS e o governo, por intermédio do Ministério do Trabalho e Previdência, acham que o problema da fila é resolvido só com tecnologia. Muitos processos exigem análise de documentos — destaca o sindicalista.
Neste mês, com apoio da base governista, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que obriga o pagamento de perícia médica para quem perder causas na Justiça relacionadas à Previdência. Seria uma maneira de coibir a indústria voltada a conseguir alguma vantagem do Estado, mas pode ter efeitos negativos indesejados, como desestimular pedidos de quem realmente precisa.
Os benefícios em questão são dados a pessoas com deficiência, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e outros casos, como o pagamento do auxílio-doença. O texto ainda precisa ser apreciado pelos senadores antes de ir à sanção.
O Ministério do Trabalho e Previdência, que responde pelo INSS, foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta edição.