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O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal – STF, concedeu parcialmente medida cautelar para firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional. O entendimento foi apresentado na semana passada, em análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 779, e deverá ser submetido a referendo do Plenário na próxima sexta-feira (5).
Segundo Toffoli, a tese contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. A ação foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT e protocolada pelo advogado Paulo Iotti, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. A defesa era de que a legítima defesa da honra vinha sendo usada para absolver feminicidas.
Em sua decisão, o ministro dá interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa. Assim, impede que advogados de réus sustentem, direta ou indiretamente, nas fases pré-processual ou processual penais e perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato ou do julgamento.
Perpetuação da violência contra mulheres
Segundo o PDT, os Tribunais de Justiça ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri baseados na máxima. O partido aponta, também, divergências de entendimento sobre o tema entre o STF e o Superior Tribunal de Justiça – STJ. Para Toffoli, “a chamada legítima defesa da honra não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico”. Segundo ele, apenas a “legítima defesa” constitui causa excludente de ilicitude.
O ministro lembrou ainda que, para evitar que a autoridade judiciária absolva o agente que agiu movido por ciúme, foi inserida no atual Código Penal a regra do artigo 28, no sentido de que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal. “Portanto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa”, afirmou.
Toffoli também afirma que o argumento da prática de um crime em razão da legítima defesa da honra constituiu, na realidade, recurso argumentativo/retórico “odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil”.
Naturalização do feminicídio
"A soberania dos veredictos do júri não lhes permite proferir decisões arbitrárias e violadoras de direitos fundamentais, mas apenas decisões coerentes com as provas dos autos e com o Direito em vigor, consoante jurisprudência torrencial do STF", defende o advogado Paulo Iotti.
De acordo com o especialista, a "nefasta e anacrônica" tese de lesa-humanidade da legítima defesa da honra naturaliza o feminicídio e abre perigosa margem para que júris absolvam homicidas motivados por ódio e preconceitos sociais. Segundo ele, o argumento também já fora utilizado para "justificar" assassinatos homotransfóbicos.
"Não há nenhum prejuízo ao direito de plenitude de defesa na proibição do uso de teses manifestamente inconstitucionais, porque de lesa-humanidade. É incoerente as pessoas falarem que acham a tese deplorável e inaceitável, mas dizerem que o júri poderia absolver homicidas por ela: isso implica concordância com a constitucionalidade dessa tese, com o que não se pode concordar de forma nenhuma", explica o advogado.
Mérito da decisão
Segundo Paulo Iotti, a liminar do ministro Dias Toffoli teve o mérito de, ao afirmar que é proibido alegar o tema no processo, se isso for feito a apelação cabível será pela hipótese de nulidade (artigo 593, III, “a”, do Código de Processo Penal – CPP), e não pela tradicional hipótese de manifesta contrariedade à prova dos autos (artigo 593, III, “c”, do CPP).
Cria-se, assim, um critério objetivo que resolve parte das equivocadas críticas a tais anulações. "De qualquer forma, como a própria lei diz que as teses de defesa e acusação devem ficar formalizadas na ata de julgamento do júri (arts. 494 e 495, XIV, do CPP) é daí que se pode saber as razões pelas quais ele decidiu e assim se a decisão foi ou não manifestamente contrária à prova dos autos e ao Direito em vigor."
"É absurdo presumir que júri poderia ter decidido por outros fundamentos, isso é achismo incompatível com essa imposição legal, sob pena dela significar um adorno inútil no processo, o que é indefensável dogmaticamente", conclui Iotti.