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Há 12 anos, caía em desuso o instituto da separação judicial no Brasil com a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010. A medida, que inseriu a possibilidade do divórcio direto no ordenamento jurídico brasileiro, foi concebida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, e apresentada pelo então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA).
O texto conferiu nova redação ao artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio. Suprimiu o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos.
O presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, lembra que o divórcio foi instituído no Brasil em 1977, após longas batalhas travadas com as forças religiosas. Havia ainda, porém, restrições que dificultavam o processo para os casais.
“Era preciso aguardar cinco anos de separação de fato ou três anos para a conversão do desquite em divórcio e só se podia divorciar uma única vez. Essas moralistas restrições foram caindo por terra”, relembra o especialista.
Rodrigo da Cunha destaca que a EC 66/2010 pôs fim às dificuldades técnicas para a concretização do divórcio, facilitando e simplificando a vida de milhares de brasileiros. “A estrutura do divórcio instalado no Brasil significou a vitória da ética sobre a moral, do Direito sobre a religião, e do princípio da liberdade dos sujeitos de dirigirem a própria vida sem a indesejada intervenção do Estado.”
“Para aqueles que temem que este tenha sido um passo a mais para destruir e desorganizar as famílias, podem se tranqüilizar: a família é indestrutível. Ela foi, é, e continuará sendo o núcleo básico e essencial da formação e estruturação dos sujeitos, e, consequentemente, do Estado”, afirma.
O presidente do IBDFAM explica que o divórcio não representa o fim da família, mas tão somente o fim da conjugalidade. “A família agora fica melhor, com maior liberdade dos cônjuges de estarem casados ou não.”
“Justiça demorada acaba por expropriar a cidadania”, diz especialista
Rodrigo da Cunha Pereira entende que a conquista desestimulou a sustentação de longos processos judiciais e substituiu o discurso da culpa pelo da responsabilidade. “Além disso, acabou com prazos desnecessários. Justiça demorada acaba por expropriar a cidadania.”
De acordo com o advogado, além de facilitar a vida dos casais e reduzir a intervenção estatal, a emenda trouxe novos paradigmas e princípios que devem nortear as relações jurídicas sobre as famílias. “Desestimulou os eternos e tenebrosos litígios judiciais, na medida em que não há necessidade de se discutir a culpa pelo fim de casamento, um sinal de atraso do ordenamento jurídico brasileiro.”
“Não há interesse ou ganho para as partes, ou mesmo ao Estado, em pedir ao juiz que julgue se há inocente ou culpado pelo fim da conjugalidade. Aqueles longos e degradantes litígios só trazem malefícios para a educação dos filhos”, comenta.
Ele acrescenta: “Para aqueles que alegam que o casal precisa ter o prazo para reflexão, a nova Emenda Constitucional em nada altera isto, pois os casais continuam a ter prazos para reflexões e devem ter mais responsabilidade em suas decisões”.
Rodrigo ressalta que esse sistema do divórcio também imprime mais responsabilidade às pessoas por suas escolhas afetivas. “Não há mais o Estado controlando o tempo de duração da intimidade, do desejo e do amor entre um casal.”
Divórcio on-line
Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou o Provimento nº 100, que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos e institui o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado) em âmbito nacional. Desde então, passou a vigorar no país a possibilidade do divórcio virtual em cartório, desde que consensual e sem filhos menores.
Rodrigo da Cunha vê o Provimento como um facilitador, e afirma que a formalidade excessiva no âmbito jurídico não pode “virar um fetiche”. “O Direito tem que preservar a essência das leis. Com tanta tecnologia, como ainda temos alguns entraves, como no caso da citação por meio eletrônico?”, questiona.
“Precisamos facilitar a vida das pessoas. Daremos mais valor à essência do que à formalidade. A quem servem todas essas formalidades? Se elas vêm em nome da segurança jurídica, e se há mecanismos modernos de assegurar até mais garantias de expressão da vontade, ficarmos apegados a elas, desnecessariamente, é fazer disso um fetiche, que só serve a quem goza com ele. Contudo, aí estaremos cada vez mais distantes da essência do Direito”, avalia o advogado.
Realidade procedimental
De acordo com Rodrigo da Cunha, o Código de Processo Civil – CPC/2015, embora tenha avançado no Direito de Família, perdeu boas oportunidades para retificar e acertar o passo com a realidade procedimental da área. “A execução de alimentos, por exemplo, continua sendo um verdadeiro calvário e beneficiando a parte economicamente mais forte em razão da sua morosidade.”
“O mais grave erro foi ter tentado ressuscitar o inútil instituto da separação judicial. Na prática, não conseguiu, pois ele é natimorto. Ressuscitar a separação judicial é abrir a possibilidade de volta a ter dois processos para se dissolver o casamento: processo de separação judicial e depois o de divórcio”, comenta o presidente do IBDFAM.
O advogado conclui que a possibilidade sobrecarregaria ainda mais a Justiça, e só traria benefícios ao mercado de trabalho. Para quem tem convicções religiosas sobre a indissolubilidade do casamento, ele aconselha: “basta não se divorciar ou simplesmente se separar de fato, promovam a separação de corpos, judicial ou extrajudicial”.