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Processo deve tramitar na comarca em que criança reside com a mãe

Fonte: IBDFAM
29/04/2022
Direito de Família

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – TJRN negou pedido de efeito suspensivo feito por um pai que tentava impedir o declínio de competência de um processo da primeira comarca para outra, no interior de Minas Gerais, onde sua filha vive atualmente com a mãe. O entendimento foi de que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) se sobrepõe a outras regras e deve ser utilizado para proteger os interesses das crianças em relação aos dos adultos, em reconhecimento ao princípio da proteção integral.

De acordo com os autos, o pai propôs, em 2021, ação no Rio Grande do Norte com o intuito de mudar o lar de referência da filha para a casa paterna e fixar liminarmente o domicílio da menina. Isso porque a mãe dela, detentora legal do lar de referência desde a separação do ex-casal, informou sobre sua mudança para outro Estado e a pretensão de levar a filha consigo no início de 2022.

O pedido liminar do genitor foi negado, com atenção ao acordo homologado previamente entre as partes, em que houve a fixação da base de moradia da filha com a mãe, como reconhecimento do que já ocorria desde a separação de fato. Por não haver conduta que desabonasse a genitora no exercício de sua parentalidade, nem de que ela causasse impedimentos ao convívio entre o pai e a filha, foram acatados os pedidos formulados em reconvenção, autorizando a criança a se mudar com a mãe e regulamentando novo regime de convivência. Além disso, determinou-se a realização de estudo psicossocial.

Com a efetiva mudança de domicílio da criança para outro Estado e diante da iminência da realização das perícias social e psicológica, a genitora requereu que as atividades periciais ocorressem na cidade de Minas Gerais, com objetivo de facilitar a participação da criança e preservar seu melhor interesse. Ao constatar a mudança de domicílio da criança, o juízo de primeiro grau reconheceu-se incompetente para permanecer julgando a causa, com base no artigo 147, I, do ECA, declinando a competência à comarca para onde a criança se mudou.

O pai, então, interpôs agravo de instrumento, alegando que o ECA não poderia ter sido invocado no caso em análise, uma vez que se trata de discussão de guarda como atributo do poder familiar. O argumento foi de que a utilização do Estatuto se restringiria aos processos em que se discutisse a guarda exercida por famílias substitutas. Também afirmou que, segundo o Código de Processo Civil – CPC (13.105/2015), por se tratar de competência relativa, não estaria passível de alteração após o início do processo, e a mudança de competência traria danos a ele.

Regras de competência do ECA têm natureza absoluta

Em sua decisão, a juíza convocada, Maria Neíze de Andrade Fernandes, não acatou o pedido de efeito suspensivo do genitor, confirmando a utilização do ECA na ação e a tese de que as regras de competência instituídas nele são de natureza absoluta. Permitiu, então, a alteração de competência para a comarca da cidade no interior de Minas Gerais, a fim de proteger o melhor interesse da criança.

"Isto porque deve ser aplicado de forma preponderante o princípio do juiz imediato, previsto justamente no artigo 147 do ECA, já que o foro competente para ações e procedimentos envolvendo interesses, direitos e garantias previstos é determinado pelo local onde a criança tem convivência familiar e comunitária habitual”, diz trecho da decisão.

A magistrada foi em frente: “A motivação para sua primazia está em que, pela proximidade com a criança, é possível atender de maneira mais eficaz aos objetivos colimados, bem como entregar-lhe a prestação jurisdicional de forma rápida e efetiva, por meio de uma interação próxima entre o juízo, o infante e seus pais”.

Ela ponderou que os outros preceitos citados, embora norteadores da relação entre pais e filhos de forma compartilhada, aplicam-se subsidiariamente às regras expressas do ECA, pois estas “oferecem uma solução de tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a modificação da competência no curso do processo, diante do princípio do melhor interesse da criança”.

Observância imperativa do ECA

Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Marília Varela atuou no caso, representando a mãe da criança. Ela opina que o declínio da competência foi acertado. “O caso versa sobre os interesses de uma criança, sendo imperativa a observância do Estatuto da Criança e do Adolescente”, justifica.

“Dessa forma, havendo a mudança justificada de domicílio da criança, principalmente quando existir prévia autorização judicial para tanto, como no caso em análise, é possível a modificação da competência no decorrer do processo para atender os interesses da criança, verdadeira protagonista da ação, dada a dicção do artigo 147 do ECA, de natureza absoluta”, acrescenta a advogada.

Para Marília Varela, a decisão atende os interesses da criança. “A mudança de competência do processo para a comarca onde a criança reside atualmente facilitará o seu comparecimento às perícias e quaisquer outros atos processuais que precisem de sua presença, de modo que o seu deslocamento não comprometerá sua frequência escolar ou sua rotina, o que significa a preservação do seu melhor interesse”, conclui.

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